1) A pergunta que todos
gostariam de fazer é a mais simples possível: o que foi que aconteceu com
Geraldo Vandré?
Vandré: “Ficou fora dos acontecimentos
(ri). Ficou fora dos acontecimentos. Acho melhor para ele. Tenho outras coisas
para fazer. Estudei leis. Quando terminei meu curso de Direito aqui no Rio e
fui me dedicar a uma carreira artística, já sabia que arte é cultura inútil.
Mas hoje consegui ser mais inútil do que qualquer artista. Sou advogado num
tempo sem lei. Quer coisa mais inútil do que isso? Quando entrei na escola,
para estudar, era a Universidade do Distrito Federal. Quando saí, era
Universidade do Estado da Guanabara. Hoje, é UERJ, no Maracanã”.
2) Você se animaria a fazer uma temporada comercial, em teatros?
Vandré: “Tenho uma prioridade: fazer a minha obra de língua espanhola. É uma obra popular. Além de tudo, o que quero fazer, antes de cantar canções populares no Brasil, é terminar uma série de estudos para piano, música erudita com vistas à composição de um poema sinfônico. Porque aí já é a subversão total. Não existe nada mais subversivo do que um subdesenvolvido erudito”.
3) O fato de a música “Caminhando” ter se tornado uma espécie de hino de protesto provoca o quê em você hoje: orgulho ou irritação?
Vandré: “Estou tão distante de tudo. Mas não tenho o que corrigir em nada do que fiz. Tenho muito orgulho de tudo o que fiz. Protesto é coisa de quem não tem poder. Não faço canção de protesto. Fazia música brasileira. Canções brasileiras. A história de “protesto” tem muito a ver com a alienação denominatória, é o “protest song” norte-americano, a música country. Há algumas coincidências. Não concordo com a denominação “música de protesto”. Fiz música popular brasileira”.
4) Você teve uma divergência artística com os tropicalistas – entre eles, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Hoje, você ainda considera ruim a música que eles faziam na época?
Vandré: “Com essa pergunta, eu me lembrei
de uma reposta que o próprio Gil deu uma vez. Fiz uma pergunta a ele. Não me
lembro qual foi. E ele disse: “Ah, faço qualquer coisa. Uma tem que dar certo”.
Eu não faço qualquer coisa”.
5) Mas você mudou de opinião sobre os tropicalistas ou não?
Vandré: “Parece que eles continuam na mesma. É o que me parece. Eu estou distante de tudo – não só do Tropicalismo como de tudo praticamente que se faz do Brasil”.
6) Em que país vive Geraldo Vandré?
Vandré: “Vive num
Brasil que não está aqui. Geraldo Vandré vive no Brasil. Eu até me atreveria a
dizer que quem não vive no Brasil é a maioria dos brasileiros. A quase
totalidade dos brasileiros não vive mais no Brasil. Vive num amontoado”.
7) Como é este Brasil de Geraldo Vandré?
Vandré: “É o antes – de quarenta anos
atrás. O país que o Brasil era quando fiz música para o Brasil não era este
país de hoje. Não existia este processo de massificação. Dentro da minha
própria carreira – profissionalmente falando – houve uma mudança ali no Maracanãzinho.
Ali, houve a passagem do que eu fazia para um público de um teatro de
setecentas ou no máximo mil e duzentas pessoas para um ginásio com trinta mil
pessoas. E a televisão direta no ar. Já foi a massificação”.
8) O Brasil de quarenta anos atrás era melhor do que o Brasil de hoje?
Vandré: “Eu fazia
música para aquele país”.
9) E por que não fazer música para o Brasil de hoje?
Vandré: “Porque o país
é outro. O que existe é cultura de massa. Não é cultura artística brasileira.
Não há praticamente espaço para a cultura artística. Se você considerar os
outros autores, eles fazem coisas de vez em quando. Não têm uma carreira como
tinham antigamente – nem Chico Buarque nem Edu Lobo, ninguém. A carreira que
eles têm é uma carreira hoje muito segmentada”.
10) Você se considera, então, uma espécie de exilado que vive dentro do Brasil?
10) Você se considera, então, uma espécie de exilado que vive dentro do Brasil?
11) Por que é que você resolveu se afastar totalmente da carreira artística naquela época?
12) A decisão de interromper a carreira, então, foi de certa maneira um protesto contra o que você via como “massificação” da sociedade brasileira?
Vandré: “Não. O que
houve foi muito mais uma falta de motivo, uma falta de razão para cantar. Protesto,
não: falta de razão, falta de por que. Estou fazendo o que acho que devia
fazer”.
13) O que é que chama a atenção do Geraldo Vandré no Brasil de hoje? Que manifestação artística desperta interesse?
Vandré: “A miséria
aumentou. Se você pegar a letra de “Caminhando” - “pelos campos, as fomes em
grandes plantações, pelas ruas marchando indecisos cordões/ ainda fazem da flor
seu mais forte refrão/ e acreditam nas flores vencendo o canhão” -, hoje é mais
ainda. Hoje, as ruas estão muito mais cheias de indecisos cordões. O processo
de massificação destruiu praticamente a urbe brasileira”.
14) Você se animaria a fazer uma canção como “Caminhando” hoje?
Vandré: ”Não existe isso. A gente nunca faz uma canção como uma outra. Aquela é
uma canção. Cada uma é uma. A gente faz independentemente de animação. Quando
decide fazer, faz”.
15) Você diria que o Brasil é um país ingrato?
Vandré: “Não. De forma alguma. São coisas
que ocorrem. Guerra é guerra. Não perdi (ri). Eu me lembrei agora de um poema
muito bonito de Gonçalves Dias que aprendi com meu pai: “Não chores, meu filho,
não chores/ Viver é lutar/ A vida, meu filho, é combate/é luta renhida/ que aos
fracos abate e aos bravos só pode exaltar”.
16) Quando você se lembra hoje do Maracanãzinho inteiro cantando “Caminhando” que sentimento você tem?
Vandré: “Aquilo foi
muito bonito, muito bonito. Pena que eu não posso ver o VT. Estão guardando o
VT não sei para quê. Quero ver o VT. Lá na sua estação eles devem ter. Procure
lá. Consegue o VT para ver!” (olhando para a câmera).
17) Você tem saudade daquela época?
17) Você tem saudade daquela época?
Vandré: “Saudades…. Saudades… Um pouco.
Mas também há tanta coisa para fazer que não dá muito tempo de sentir saudade”.
18) Você vive de quê hoje? Você recebe direitos autorais?
Vandré: “Nunca dependi
de música para viver. Sou servidor público. Hoje, estou aposentado como
servidor público federal”
.
19) Você deixou de receber direitos autorais?
19) Você deixou de receber direitos autorais?
Vandré: “Pagam o que
querem. Não existe controle. Não existe critério. Se nós tivéssemos direito de
autor, teríamos os direitos conexos, direitos de marcas, patentes, propriedade
industrial. É um assunto complexo. Mas aí não seríamos subdesenvolvidos“.
20) Você foi o único grande nome daquela geração que não voltou aos
palcos – entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque…
Vandré: “Eu não voltei.
É uma boa pergunta: por que não voltei? Não mudou tudo? Mas será que mudou? As
razões pelas quais me afastei continuam preponderantes no que se apresenta como
realidade brasileira”.
21) Se você fosse escrever um verbete numa enciclopédia sobre Geraldo Vandré qual seria a primeira frase?
Vandré: “Criminoso (ri)”.
22) Por quê ?
Vandré: “O que você chama de governo
ainda me tem como anistiado por haver cantado as canções que cantei. Fui
demitido do serviço público por causa das canções. O que se apresenta como
governo no Brasil até hoje cobra impostos sobre o “corpo de delito” que foram as
canções que fiz. Deu para entender agora? “
.
23) Você foi punido pelo governo da época, perdeu o emprego público…
23) Você foi punido pelo governo da época, perdeu o emprego público…
Vandré: “Fui demitido. Depois, retornei. Briguei, briguei, briguei.”
24) Em algum momento, você foi considerado “criminoso”…
Vandré: “Fui demitido
por causa da canção. E essa canção que foi motivo de minha demissão até hoje é…
Voltei por força de um despacho dado com fundamento na Lei de Anistia, como se
eu fosse criminoso. Anistia é para criminoso – condenado por sentença
transitada em julgado, se ele aceitar. Porque ele pode não aceitar. Aceitar a
anistia significa aceitar-se criminoso, beneficiário de anistia”.
25) Você acha que a grande injustiça foi esta: em algum momento você ser considerado um criminoso?
Vandré: “Injustiça não
é a palavra…”
26) Você teria cometido um “delito de opinião” …
Vandré: “Não. Era
subversão mesmo, sob certos aspectos, porque não havia nada mais para fazer
naquele instante. Não me lembro. Mas as Forças Armadas, propriamente ditas,
entenderam muito melhor do que a sociedade civil. Nunca tive nenhum problema
com as Forças Armadas propriamente. Sempre houve uma consideração e respeito
entre nós”.
27) Hoje, você nega que tenha sido em algum momento um antimilitarista nos anos sessenta?
Vandré: “Nunca fui
antimilitarista. Nunca assumi tal posição. Fui lá e falei o que queria dizer,
numa canção que foi dita e cantada no Brasil diante de todo mundo. A canção foi
cantada para os soldados, também”.
28) O grande equívoco sobre Geraldo Vandré foi este: achar que você era antimilitarista?
Vandré: “Não houve, na realidade, um grande equívoco. Houve uma grande manipulação porque, quanto mais proibido, mais sucesso fazia; mais se vendia; menos conta se prestava. É uma questão muito séria”.
29) Qual foi à última manifestação artística que despertou o interesse e
a curiosidade de Geraldo Vandré no Brasil?
Vandré: “Passei quatro
anos e meio fora do Brasil. Quando voltei, havia uma coisa muito importante que
era o Movimento Armorial. Havia o Quinteto Armorial e a Orquestra Armorial. A
sonoridade era muito condensada. O resultado era importante. Para mim, foi a
coisa mais importante que aconteceu nos últimos tempos. Não me lembro de outra
coisa que tenha ido além daquilo”.
30) E da produção recente, alguma coisa chamou a atenção do Geraldo Vandré?
30) E da produção recente, alguma coisa chamou a atenção do Geraldo Vandré?
Vandré: “Nada. Tiririca
(ri). Dizem que vai ser o deputado mais votado de São Paulo. Está bom?"
31) Você disse, numa discussão na época dos festivais: “A vida não se resume a festivais”. Hoje, tanto tempo depois dos festivais, qual é o principal interesse do Geraldo Vandré?
Vandré: “São as outras coisas que não
estão nos festivais. Minha vida funcional – de que cuidei até me aposentar; as
minhas relações com a Força Aérea, o meu projeto de fazer estas gravações na
América espanhola… Tenho muita coisa para fazer”.
32) Outro grande nome que se celebrizou como compositor do regime militar na música brasileira foi Chico Buarque de Holanda. Você acompanhou o que ele fez depois?
Vandré: “Chico teve um
caminho diferente do meu. Não chegou a parar. Produziu muito durante aquela
época em que eu estava fora. Chico ficou aqui. Saiu e voltou, saiu e voltou.
Passei quatro anos e meio fora. Quando voltei, fiz uma tentativa de
apresentação num programa de televisão. Não vem ao caso qual, mas não gostei do
que aconteceu: o jogo de pressões que se fez em volta. Recuei. Depois,
passou-se um tempo. A própria Globo queria fazer um festival. Chegaram a me
procurar. Não tive interesse em participar”.
33) O que é que a produção de Chico Buarque significa para você?
Vandré: “Chico é uma
pessoa muito talentosa, muito importante. Um grande artista”.
34) Você perdeu o contato com todos os seus companheiros de geração na música ?
34) Você perdeu o contato com todos os seus companheiros de geração na música ?
Vandré: “Nunca fui
muito enfronhado no meio artístico. Fazia minhas coisas. Voltava para minhas
atividades extramusicais”.
35) É verdade que você ficou escondido na casa da família Guimarães Rosa antes de ir para o exílio?
Vandré: “Eu saí de
circulação. Depois que o tempo foi passando, as coisas vão ficando claras: as
Forças Armadas propriamente ditas não tinham nada contra mim. Não tomaram
nenhuma iniciativa contra mim. Quando fecharam o Congresso Nacional, no dia 13
de dezembro de 1968, eu estava indo para Brasília para fazer um espetáculo. Evidentemente,
suspendemos o espetáculo. Vim de carro – guiando – até São Paulo. Eu estava à
mão das Forças Armadas…. Nunca deixei de estar. Mas claro que algo poderia
acontecer: ao andar à toa pela rua, eu poderia de repente encontrar um
“guardinha de trânsito” que quisesse fazer média. Há sempre alguém que quer
tirar proveito de situações assim. Para evitar, saí de circulação. Durante um
tempo, estive na casa de Dona Aracy (viúva de Guimarães Rosa – que tinha
morrido meses antes). Fiquei lá porque, quando vinha para o Rio, como não tinha
casa aqui, sempre ficava na casa de amigos e de pessoas conhecidas”.
37) Por que você tomou esta decisão tão drástica – de interromper uma carreira de tanto sucesso?
Vandré: “Decidir sair do
Brasil naquele ano de 1968. (Os mesmos agentes que prenderam Caetano Veloso e
Gilberto em São Paulo,em dezembro de 1968, tentaram prender Geraldo Vandré.
Mas, avisado por Dedé, à época mulher de Caetano Veloso, Geraldo Vandré
conseguiu escapar a tempo) Eu tinha uma programação para fazer fora do Brasil.
Tinha um contrato com a televisão Bavária, na Alemanha, para fazer um filme
sobre Geraldo Vandré. Fui fazer. Passei um ano e meio pela Europa. Depois,
voltei para o Chile – para onde eu tinha ido do Brasil. Havia muitos
brasileiros lá ainda. De lá, fui para o Peru. Ganhamos um festival em Lima em
1972 com uma canção que era a única não cantada em espanhol. Era cantada em
“brasileiro” mesmo. O Brasil não conhece a canção.Chama-se “Pátria Amada
Idolatrada, Salve, Salve – Canção terceira”.
38) Você se lembra da letra?
Vandré: “Eu me lembro. É uma canção que
foi feita para ser cantada por um homem e uma mulher. Existe de caso pensado –
coincidentemente – uma confusão de sentimentos entre a ideia da pátria e a
ideia da mulher amada. O homem canta: “Se é pra dizer-te adeus/ pra não te ver
jamais / Eu – que dos filhos teus fui te querer demais-/ no verso que hoje
chora para me fazer capaz da dor que me devora/ quero dizer-te mais/ que além
de adeus/ agora eu te prometo em paz levar comigo afora o amor demais”.
39) E a mulher, cuja imagem se confunde com a noção da pátria, responde:
“Amado meu sempre será quem me guardou no seu cantar/ quem me levou além do céu/ além dos seus /e além do mais/ amado meu/ que além de mim se dá/ não se perdeu nem se perderá”. Os dois cantam juntos um para o outro. É um contraponto”.
40) Você foi constrangido a gravar, em 1973, um depoimento em que negava que fosse militante político. Qual foi o peso deste depoimento na decisão de Geraldo Vandré de interromper a carreira?
Vandré: “Nunca fui
constrangido a declarar que não tive militância política. Nunca tive militância
político-partidária. Nunca pertenci a nenhum partido. Nunca fui político
profissional. Não fui obrigado a dizer que não era militante. Nunca fui
militante político. Nesta contemporaneidade em que estamos, eu me lembrei de um
professor de Filosofia que dizia: “O homem é um animal político”. Sou uma
qualidade de animal político que não depende de eleição. Vamos estudar a
diferença entre política e eleição ?”.
41) Que lembrança você guarda deste depoimento ? Você foi levado para uma sala do aeroporto de Brasília e gravou um depoimento em que – de certa maneira renegava ….Vandré (interrompendo):
Vandré – “É um assunto que ficou muito confuso. Não me lembro exatamente.
Gostaria de ver a declaração…”
42) Você gravou o depoimento quando voltou do Chile…
Vandré: “Gostaria de
ver, porque houve montagens. Era gravação. O que foi para o ar não sei”.
43) O depoimento criou espanto na época, porque – de certa maneira – era você negando a militância política…
Vandré: “Nunca fui
militante. Se engajamento político é pertencer a um partido, nunca pertenci a
nenhum. Nunca fui engajado politicamente”.
44) Você obrigado a gravar este depoimento ? Fazia parte do acordo para voltar para o Brasil?
Vandré: “Queriam que eu
fizesse uma declaração. Não me lembro o que foi que disse. Mas eu disse coisas
que poderia dizer. O que eu disse era verdade. Não disse nada que não tenha
querido dizer. A TV Globo deve ter isso. Procure lá…”
45) A gente procurou e não encontrou….
Vandré: “Pois é: somem
com tudo. Que loucura essa…Por quê ? Veja se acha o vt do Maracanãzinho. É o
que tem Tom Jobim. É o mesmo vt. A minha parte sumiu. Por quê ? Fizeram uma
retrospectiva do Festival. Botaram o Festival no Maracanãzinho - Tom, Chico,
todo mundo, Cynara e Cybele. Mas, na hora de botar o Geraldo Vandré, usaram um
filme feito na Alemanha, em que eu estava de barba. Não é certo”…
46) Talvez tenham recolhido o filme…
Vandré: “Para mim, é
muito difícil acreditar que a TV Globo tenha se desfeito do filme. Não
acredito. Devem estar guardando muito bem guardado”.
47) Só para esclarecer este episódio sobre o depoimento que você gravou quando voltou do exílio: que lembrança exatamente você tem? Quem pediu a você para gravar este depoimento?
Vandré: “Aquelas declarações foram feitas para uma pessoa que se me apresentava
como da Polícia Federal. Fiz um depoimento aqui. Depois, disseram que eu tinha
de ir para Brasília. Cheguei ao Brasil no dia 14 de julho. Dois meses depois,
apareço como se estivesse chegando em Brasília. Aquilo foi uma manipulação. O
depoimento foi gravado antes. Gravaram-me descendo do avião em Brasília. Tudo
muito manipulado. É esta a história dos vts: normalmente, temos esta doença.
Estou falando aqui. O que vai ser mostrado vai ser uma seleção que a estação
vai fazer. Não vai ser o que estou dizendo. Isso é muito sério”.
48) Para encerrar o assunto: o depoimento teve um peso na decisão de interromper a carreira ? Você ficou incomodado com aquilo?
Vandré: “Não. Eu estava chegando e vendo como estavam as coisas. Não tinha
menor noção da realidade. Tive de passar por um processo de adaptação no
retorno ao Brasil”.
49) O grande mistério que existe sobre Geraldo Vandré durante todas essas décadas é, afinal de contas, o que aconteceu com ele depois da volta do exílio: você foi maltratado fisicamente?
Vandré: “Não.Não”
50) Se você tivesse a chance hoje de se dirigir a uma platéia de jovens num festival, o que é que você diria a eles?
Vandré: “Vamos ter de
dar um tempo aí, não é?…” (rindo)
51) Um “tempo” de quantos anos?
Vandré: “Não sei.
Agora, vocês vão votar para presidente, deputado, senador. Estão ocupados com
outras coisas. Estou por fora”.
52) Que papel você acha que vai caber a Geraldo Vandré na história da música popular brasileira moderna?
Vandré: “Nunca fiz este
tipo de avaliação”.
53) Que papel você espera ter? Você se acha suficientemente reconhecido?
Vandré: “Obtive o
reconhecimento que procurei e quis”.
54) Você em algum momento se arrepende de ter interrompido a carreira?
Vandré: “Não. Porque raramente me arrependo das coisas que faço. Calculo bem, reflito bem, meço bem: quando faço é para ficar feito mesmo. Não existe arrependimento não”.
55) Para efeito de registro histórico: você, primeiro, não se considera antimilitarista…
Vandré: “Não…”
56) Segundo: você não foi maltratado fisicamente durante o regime militar…
Vandré: “Não…”
57) Terceiro: você disse o que quis no depoimento que você foi forçado a gravar quando voltou do exílio…
Vandré: “E em quarto:
há o Quarto Comando Aéreo Regional…Tenho uma canção para o “exército azul”, a
Força Aérea…(ri e exibe o brasão da Aeronáutica, impresso numa espécie de
cartão de visita que traz, no verso, a letra de “Fabiana“). A aviação é muito
bonita. A loucura é a aviação. Porque a maior loucura do homem é voar. Conhece
loucura maior do que esta ? Não existe”.
58) Como é que surgiu a fascinação de Geraldo Vandré pela aviação?
58) Como é que surgiu a fascinação de Geraldo Vandré pela aviação?
Vandré: “Desde pequeno, desde criança”.
59) gostaria de ter sido aviador?
Vandré: “É. Não fui
aviador militar. Não sou piloto, mas – de certa forma – sou aviador, porque me
ocupo de assuntos da aviação. Uma coisa é aviador, outra é piloto. Você pode
ser piloto, co-piloto, rádio navegador, mecânico de bordo, médico aviador. Há
vários caminhos – não necessariamente tem de ser piloto…”.
60) O fato de você ter composto uma música em homenagem à Força Aérea criou um certo espanto. Hoje, você se hospeda em hotéis da Aeronáutica, como este. Nós estamos num ambiente militar…
60) O fato de você ter composto uma música em homenagem à Força Aérea criou um certo espanto. Hoje, você se hospeda em hotéis da Aeronáutica, como este. Nós estamos num ambiente militar…
Vandré :”Relativamente, porque este é um
instituto de direito privado…”
61) Houve alguma mudança na postura do Geraldo Vandré ou não em relação às Forças Armadas?
Vandré : “O que houve
foi o reconhecimento de uma parte da sociedade que nunca tinha tido
oportunidade de saber realmente quais eram as minhas posições”.
62) Em que situação Geraldo Vandré voltaria a um palco hoje?
62) Em que situação Geraldo Vandré voltaria a um palco hoje?
Vandré:”Depende de onde. Tenho uma programação na qual investo meu tempo e minhas energias : gravar um disco no exterior, num país de língua espanhola. É minha prioridade. Depois, vou ver minha programação para o Brasil. Escrevi umas trinta canções originalmente em “americano de habla hispânica”. Quero gravar num país de música espanhola, com músicos de lá. Minha prioridade comercial é esta. Para o Brasil, por ora, o projeto é a canção da Força Aérea mesmo – e um projeto sinfônico. A canção se chama Fabiana porque nasceu na FAB – em sua honra e em seu louvor”.
63) Você, hoje, então prefere compor peças sinfônicas?
Vandré: “Tenho estudado
música. Compus uma série de estudos para piano – aproveitando da técnica de uma
jovem pianista de São Paulo. Mas a música ganhou outras dimensões. Passou a ser
física e matemática. Ritmos do coração. Fica mais complicado, mas, para mim, é música”.
64) Você tem planos de gravar a música que você fez em homenagem à FAB?
64) Você tem planos de gravar a música que você fez em homenagem à FAB?
Vandré: “Claro. Já
fizemos uma apresentação numa festa da Força Aérea em torno das comemorações da
Semana da Asa, em São Paulo, com um coral de trezentos infantes. Uma coisa
muito bonita. Com o tempo, vamos ver quais são alternativas que se colocam”.
65) Você declarou algumas vezes : “Geraldo Vandré não existe mais….”
Vandré (interrompendo) : “Não, não
declarei. Eu disse que ele não canta no Brasil comercialmente. Apresentei uma
canção para a Força Aérea do Brasil. Não canto comercialmente no Brasil porque
os problemas todos que tive de enfrentar resultaram de especulações comerciais:
vendas clandestinas, câmbio negro, tudo isso. Quanto mais se proibia, mais se
vendia. A sociedade, às vezes, tem essa doença”.
66) Você canta “Disparada” hoje, em casa?
Vandré : “Não. Faz tempo
que não pego num violão. Tenho de voltar a estudar”.
67) Que instrumento, então, você toca? Piano?
67) Que instrumento, então, você toca? Piano?
Vandré:”Não. Não sou
pianista. Toco de improviso alguma coisa”.
68) Pelo menos duas músicas que você compôs são conhecidíssimas até hoje: “Disparada” e “Caminhando”.
Vandré (interrompendo);
“Pelo menos duas…”
69) Se você fosse escolher uma, que música você escolheria como típica da
produção de Geraldo Vandré?
Vandré: “Disparada” é
mais brasileira, tem uma forma mais consequente com a tradição das formas da
música popular: a moda de viola. “Caminhando” já é mais urbana. É uma crônica
da realidade. É a primeira vez que fiz uma crônica. Deu no que deu. A realidade
não estava muito querendo ser…”
70) Retratada…A obra-prima de Geraldo Vandré qual é?
Vandré: “Todas são
iguais. Para mim, são todas iguais. Isso de obra-prima é uma questão de seleção
e de predileção do público, os meios de comunicação e os chamados formadores de
opinião”.
71) Mas você deve ter uma predileção pessoal…
72) As peças sinfônicas você compõe como?
Vandré : “As melodias,
algumas harmonias…Para escrever em notas convencionais, preciso da escrita de
pessoas que estão muito mais afeitas a esta tarefa do que eu. Eu levaria anos para
escrever uma partitura. Jamais escreveria como alguém que faz parte de uma
orquestra, lê e escreve na hora, à primeira vista. Hoje, estou dedicado a
preparar um poema sinfônico cuja abertura coralística será a Fabiana, a canção
que fiz para a Força Aérea”.
73) Você hoje se animaria a fazer um espetáculo para o público brasileiro?
Vandré :”Não.Para o
público brasileiro, só uma coisa muito especial”…
74) Em que situação você voltaria a se apresentar no Brasil?
Vandré: “Chegamos a
cogitar de fazer uma apresentação da Fabiana no Clube de Aeronáutica. É um dos
projetos de que chegamos a nos ocupar. Mas até agora as coisas ficaram
postergadas, porque o clube vai entrar em reforma. Vêm aí as Olimpíadas
Militares. O clube vai ter de se adequar”.
75) Qual é a grande inspiração que você tem para compor essas peças sinfônicas ? O que é que motiva você a compor?
Vandré: “Nunca dependi
muito da palavra inspiração. Escolhia os temas. O fundamental para mim é a
memória que tenho do que ouvia no cancioneiro popular, as músicas de desde a
minha infância”.
76) O público brasileiro ainda vai ter chance de ver Geraldo Vandré cantando “Caminhando” e “Disparada” no palco?
Vandré: “Isso é
profecia. Não sou profeta”.
77) O que é que levou você a fazer uma música em homenagem à FAB, a Força Aérea Brasileira, você, que era tido nos anos sessenta como antimilitarista?
Vandré: “Era tido. Por
quem? Isso deveria ser perguntado para os que a mim me tinham como
antimilitarista. Não sou militarista. Mas também não sou anti. Todos os países
soberanos do mundo têm suas forças armadas. O que é que devemos fazer com as
nossas? Entregá-las para outras pessoas ? Vamos fazer isso ? Acho que não!
Chamo de “Fabiana” porque nasceu na FAB. Costumamos dizer assim: uma servidora da FAB é “fabiana”. A letra diz: “Desde os tempos distantes de criança numa força, sem par, do pensamento teu sentido infinito e resultado do que sempre será meu sentimento /todo teu/ todo amor e encantamento/ vertente. resplendor e firmamento/ Como a flor do melhor entendimento/ a certeza que nunca me faltou/ na firmeza do teu querer bastante/ seja perto ou distante é meu sustento/ De lamentos não vive o que é querente do teu ser no passado e no presente/ Do futuro direi que sabem gentes de todos os rincões e continentes/ que só tu saber do meu querer silente/ porque só tu soubeste, enquanto infante, das luzes do luzir mais reluzente pertencer ao meu ser mais permanente”.
O refrão é, coincidentemente, um contraponto de “vem /vamos embora/ que esperar não é saber”: “Vive em tuas asas todo o meu viver/ meu sonhar marinho / todo amanhecer”.
Termina a entrevista. Já são quase sete da noite. O Grande Solitário da MPB
caminha em direção à escadaria que dá acesso à ala de hóspedes do hotel que
funciona no Clube da Aeronáutica. Parte sozinho. Vai em companhia do único
habitante do Brasil que Geraldo Vandré criou para si: o próprio Geraldo Vandré.
Matéria está publicada no Blog Vermelho, Portal G1, por ocasião dos 75 anos de Vandré.
(Rio de Janeiro, 27 de Setembro de 2010)