Quem foi João Suassuna? Como se deu a sua morte? Como este fato influenciou na vida de sua família e na obra do seu filho Ariano Suassuna?
Diante da recente morte do escritor Ariano
Suassuna, em 23 de Julho de 2014, muito de sua vida foi trazida ao conhecimento
de milhares de brasileiros. Entre os muitos aspectos da biografia deste
paraibano que marcou a história do Nordeste, um dos principais pontos abordados
foi à importância da figura de seu pai, João Suassuna, em sua vida.
Em inúmeros textos foi comentado, normalmente
de maneira bem básica, que João Suassuna havia sido governador da Paraíba e que
ele foi assassinado no ano de 1930, em meio às repercussões ocasionadas pela
morte de João Pessoa e os acontecimentos políticos daquele período tumultuado
da história do Brasil. Mas ao observamos com mais detalhes a figura do pai do
grande escritor, que morreu quando Ariano tinha apenas três anos de idade,
descobrimos uma história muito intensa, interessante e trágica!
O BACHAREL SERTANEJO
Há dez anos, com a ajuda do amigo Sérgio
Dantas, autor de três maravilhosos livros sobre o cangaço, eu dei início a uma
inacabada pesquisa por quatro estados nordestinos sobre a vida e morte do
cangaceiro paraibano Chico Pereira. Esta motivação vinha do fato de ser
imputado a este cangaceiro e seu bando, em fevereiro de 1927, o assalto à
fazenda Rajada, em Acari, na região do Seridó Potiguar. Na época esta fazenda
pertencia a Joaquim Paulino de Medeiros, meu bisavô e durante grande parte da
minha juventude escutei inúmeras vezes os relatos deste episódio através de
vários parentes queridos.
No desenrolar das pesquisas vi
que a história de Francisco Pereira Dantas, o verdadeiro nome de Chico Pereira,
possuía ligações com a trajetória política de João Suassuna. Até mesmo a sua
morte, ocorrida em 1928 na zona rural de Currais Novos, em um rumoroso caso de
violência estatal, que manchou a biografia do então governador potiguar Juvenal
Lamartine de Farias, também possui ligações com o pai de Ariano.
Mas de maneira totalmente independente do
fato de João Suassuna ser pai do autor de “Auto da Compadecida”, busquei
conhecer mais sobre sua vida.
Nascido João Urbano Pessoa de Vasconcelos
Suassuna, veio ao mundo em Catolé do Rocha, Paraíba, no dia 16 de janeiro de
1886. Anos depois estudou na conceituada e tradicional Faculdade de Direito de
Recife, onde se bacharelou em 1909. O início de sua carreira como advogado foi
em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois João Suassuna assumiu o posto de
juiz nas cidades de Umbuzeiro e Campina Grande, ambas na Paraíba. Na sequência
foi Procurador da Fazenda Nacional no seu estado natal. Em 1 de dezembro de 1913, quando tinha
27 anos, casou com Rita de Cássia Vilar Suassuna, então com 17 anos, a quem
chamava carinhosamente de Ritinha. Quando Castro Pinto esteve à frente do
executivo paraibano (1912-1915), João Suassuna assumiu cargos de importância na
máquina governamental.
Em 1917, após este período de governo, voltou
a ser juiz, desta vez na cidade de Monteiro (PB). Foi nesta época que João
Suassuna adquiriu uma propriedade chamada “Malhada da onça”, pra onde seguia
ocasionalmente. A fazenda ficava em Desterro, local de nascimento de sua
mulher, na época uma comunidade pertencente à cidade paraibana de Teixeira. Em
1919 deixou a magistratura e foi trabalhar no antigo Instituto Federal de Obras
Contra as Secas – IFOCS e nesta época adquiriu a Fazenda Acauã, na época
localizada na zona rural de cidade de Sousa.
No começo da década de 1920, João Suassuna
foi convidado pelo então governador Sólon de Lucena para assumir a Inspetoria
do Tesouro do Estado, depois foi eleito deputado federal. Estava no exercício
do mandato parlamentar no Rio de Janeiro, então Capital Federal, quando foi
eleito “Presidente da Parahyba”, o que corresponde hoje ao cargo de governador.
O mandato de João Suassuna se caracterizou em
grande parte por uma valorização das ações desenvolvidas pelos grandes
latifundiários de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas
no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma
estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da
utilização de grupo de jagunços armados, da conivência com grupos de
cangaceiros e outras ações.
Foi nesta época, no palácio do
governo da Paraíba, que servia de residência oficial do chefe do executivo
daquele estado, mais precisamente no dia 16 de junho de 1927, que nasceu um dos
nove filhos do casal João e Rita. Foi batizado como Ariano. João Suassuna entregou o cargo em 22
de outubro de 1928 a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e assumiu novamente
uma das vagas de deputado federal pela Paraíba.
PROBLEMAS À VISTA!
João Pessoa discordava da forma como o grupo
político que o elegera conduzia a política do seu estado e logo surgiram sérias
divergências com os latifundiários. Um dos maiores embates estava na cobrança
de taxas de exportação do algodão. Por esta época os coronéis exportavam o
produto principalmente através do porto de Recife, provocando enormes perdas de
divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e
efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de
fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos,
que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Cancela”.
Os embates políticos entre o governador e os
coronéis foram crescendo. A maior liderança entre estes poderosos foi sem
dúvida o coronel José Pereira Lima. Verdadeiro imperador da região oeste da
Paraíba, na área da fronteira com Pernambuco, tendo como base, a cidade de
Princesa e este discordava com veemência das ações de João Pessoa. Do embate
entre estes dois homens, resultou um dos maiores conflitos armados do Brasil
Republicano.
A contenda teve início em 28 de
fevereiro de 1930, quando ocorreu a invasão da cidade de Teixeira por parte da
polícia paraibana, com o aprisionamento dos membros da conceituada família
Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao coronel José
Pereira. Apesar de governador João Pessoa não contar com o apoio do Palácio do
Catete, onde o titular, Washington Luís não viabilizou uma efetiva ajuda às
forças policiais paraibanas, o governador paraibano foi à luta.
Em meio aos conflitos da chamada
“Guerra de Princesa”, no dia 26 de julho de 1930, um sábado, João Pessoa estava
na Confeitaria Glória, em Recife, quando foi atingido por dois disparos
desfechados pelo advogado paraibano João Duarte Dantas.
Da mesma família Dantas da região
de Teixeira, consta que após realizar uma viagem João Dantas encontrou seu
escritório na capital paraibana violado. Entre os objetos roubados estavam
cartas e poemas eróticos, além de fotografias sensuais, trocados com a sua
amante, a poetisa Anayde Beiriz. Estes materiais teriam sido roubados por
membros da polícia paraibana, sob as ordens de João Pessoa, sendo publicados e
colocados em locais públicos. Diante dessa exibição João Dantas foi à
confeitaria vingar a sua privacidade violada.
Após o crime, João Pessoa se tornou um grande herói para o povo paraibano e seu assassinato foi o estopim da conhecida Revolução de 1930. Neste meio tempo cresceu descontroladamente o radicalismo na Paraíba e muito sangue correu.
A PARTIDA
Por ser João Suassuna casado com uma prima de
João Dantas, ter sido eleito deputado federal com o apoio dos Dantas da cidade
de Teixeira e do coronel José Pereira, o pai de Ariano ficou na mira dos
familiares, amigos e correligionários do falecido João Pessoa.
No dia da morte do então governador paraibano
na Confeitaria Gloria, João Suassuna se encontrava no Recife. Já sua família,
inclusive o menino Ariano de três anos, estava na capital paraibana, em uma
casa alugada ao Dr. Mariano Falcão, na Rua das Trincheiras. Diante do aumento
da tensão na capital, Rita Suassuna e seus nove filhos vão se refugiar no 22º
Batalhão de Caçadores, ou 22º BC, atual 15º Batalhão de Infantaria Motorizada.
Em pouco tempo João Suassuna conseguiu apoio do rico empresário Frederico João
Lundgren e consegue apoio do Exército para trazer sua família para uma casa
mobiliada, pertencente a este empresário e localizada na cidade pernambucana de
Paulista. Um dado interessante foi que a escolta da família Suassuna era
comandada pelo tenente Agildo Barata.
O deputado João Suassuna recebeu a
comunicação que havia sido denunciado como cúmplice no assassinato de João
Pessoa e teria que ir ao Rio de Janeiro para se defender na Câmara dos
Deputados. No Porto do Recife ele embarcou no paquete “Zelândia” e lá estava
toda a sua família para as despedidas. Mesmo tendo naquela ocasião apenas três
anos de idade, Ariano Vilar Suassuna sempre relatou ao longo de sua vida que
jamais esqueceu a partida do seu pai para a Capital Federal, pois aquela foi à
última ocasião que o viu com vida.
João Suassuna chegou a Capital Federal no dia
22 de outubro de 1930, se apresentou a Câmara Federal. Lá soube que tramitava
na comissão de constituição e justiça um pedido do deputado estadual
pernambucano João Paes de Carvalho Barros, para que fosse concedida uma licença
para abrir uma investigação sobre a participação de Suassuna como cúmplice no
assassinato de João Pessoa. Logo o pedido foi indeferido pelo presidente da
casa, o deputado federal João Santos.
TEMPO DE REVOLTA
Não tarda e a convulsão política eclode. A
conhecida Revolução de 1930 teve seu início em 03 de outubro de 1930, uma sexta
feira, com movimentos sincronizados que foram levados a efeito no Rio Grande do
Sul, Paraná, Minas Gerais e Paraíba.
Mesmo diante desta situação, o deputado João
Suassuna se coloca ao lado do presidente Washington Luís, junto com mais de uma
centena de políticos. Todos se encontraram na tarde do dia 4 de outubro no
Palácio da Guanabara, atual sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, onde
morava o mandatário que em breve seria deposto.
Os dias seguiam com mais notícias
preocupantes vindas da Paraíba e de Pernambuco. Na capital paraibana, na
madrugada do dia 4 de outubro, poucas horas após o movimento ter-se iniciado,
os revolucionários atacaram o 22º BC e ali morreu o general legalista Alberto
Lavenère Wanderley, comandante da 7ª Região Militar. Já o 23º BC da cidade de
Sousa, opôs resistência aos revolucionários. Logo em seguida sublevaram-se o
25º BC de Teresina, o 24º BC de São Luís e o 29º BC de Natal.
Em Recife o movimento encontrou uma
resistência maior por parte das forças legalistas, que haviam se colocado de
prontidão ao surgirem notícias da revolução. A vitória dos revolucionários,
contudo, foi garantida pelo apoio popular à insurreição, tendo ocorrido,
inclusive, distribuição de armas aos populares. Já na manhã do dia 5 de
outubro, o movimento havia triunfado em Pernambuco, antes mesmo que os reforços
provenientes da Paraíba chegassem a Recife. No dia seguinte a posição dos
revoltosos se consolidou quando o presidente do estado, Estácio Coimbra,
abandonou o governo.
TIRO MORTAL
Enquanto as notícias das sublevações e lutas
pelo Brasil afora preocupavam os cariocas e o governo Washington Luís seguia
para seus últimos dias, João Suassuna se dividia entre saber notícias de sua
família e a atividade parlamentar.
Nesta época o deputado paraibano morava no
quarto 63, do Novo Hotel Belo Horizonte, localizado
na Rua Riachuelo, 130, no bairro de Botafogo.
Suassuna tinha o hábito de sempre descer ao
“hall” principal para ler os jornais ainda pela manhã. Naquela quinta feira, 9
de outubro de 1930, ele estava nesta atividade quando apareceu uma visita. Era
o farmacêutico paraibano Caio Gusmão, que há quatro meses residia no Rio. Eram
cerca de oito e quarenta da manhã, quando o deputado decidiu seguir junto com
seu visitante para o Palácio Tiradentes, sede da Câmara Federal. Estava vestido
de paletó de casimira cinza e sapatos pretos.
Os dois caminharam um bom trecho pela Rua
Riachuelo, quando Suassuna olhou para o céu e comentou…
– Parece que vai chover e vou
buscar minha capa no hotel!
Deu meia volta, avançou alguns passos, mas
nesse momento foi atingido por um disparo de arma de fogo. Suassuna tentou sacar
um revólver “Colt” que conduzia, mas caiu no chão já morto por apenas aquele
único tiro. O fato ocorreu na altura do número 111, próximo a esquina com a Rua
dos Inválidos.
Caio Gusmão nada pode fazer, o corpo ficou em
decúbito dorsal, com o revólver do falecido ao lado e a sua mão manchada de
sangue.
Logo encheu de gente. Rapidinho se espalhou a
notícia sobre quem havia sofrido aquele atentado e o espanto dos transeuntes
foi geral. Populares chamaram a “Assistência”, o SAMU da época, que logo chegou,
mas nada puderam fazer em favor de João Suassuna.
Em pouco tempo o delegado do 12º Distrito
Policial, o Dr. Eunápio Hardman Castello Branco, em companhia do
comissário Antônio Pizarro de Morais, chegou ao local e depois vieram várias
outras autoridades policiais. Das primeiras investigações descobriram que o
assassino fugiu pela Rua Paula Matos, em direção ao Morro de Santa Tereza. Foi
comentado aos policiais que o atirador possuía estatura mediana, vestia paletó
branco, usava boné de casimira negra e calçava “tennis”.
Desde os primeiros momentos que os jornais
cariocas apontavam que a razão do assassinato de João Suassuna era vingança
pela morte de Joao Pessoa e mesmo com revoltas pipocando no país, os
revolucionários de 1930 ainda não tinham conquistado a Capital Federal. Começou
então a caçada ao assassino.
Inicialmente em uma vila, um policial
encontrou um revólver de grosso calibre do tipo “buldogue” e uma pistola modelo
“Liberty”. Além de toda a roupa utilizada pelo pistoleiro na hora do crime.
Logo os investigadores perceberam pelas pistas deixadas que um cúmplice estava
dando apoio ao matador.
Fosse pela importância de João Suassuna, ou
por eficiência (ou uma soma destes dois fatores), o certo é que ás onze e meia
da noite do dia 9 de outubro, policiais da 2ª Delegacia Auxiliar capturaram o
assassino.
Este se chamava Miguel Alves de Souza e havia
sido preso no grande sobrado que pertencia ao engenheiro Joaquim de Souza Leão,
localizado na Rua São Clemente, 261, bairro de Botafogo, a poucos metros da
tradicional Igreja e Colégio Santo Inácio. Assim foi preso Miguel Alves
confessou o crime.
Este era paraibano de Alagoa Grande, tinha 30
anos, havia chegado ao Rio pelo vapor “Itapuy” no dia 18 de julho de 1929,
trabalhava como tratador de cavalos de cavalos e depois se tornou empregado do
engenheiro Joaquim de Souza Leão.
Em uma entrevista concedida ao jornalista
Ricardo Farias, publicada no caderno especial do jornal paraibano “A União”,
edição de 12 de fevereiro de 2013, página 3, Ariano Suassuna comentou que o
assassino de seu pai foi preso na casa do concunhado de João Pessoa.
Provavelmente os algozes de João
Suassuna tinham a ideia que a polícia carioca jamais concluiria que na casa de
gente tão graúda, como a Dr. Joaquim de Souza Leão, encontrariam um elemento
que havia matado covardemente um homem pelas costas.
TRAMA ASSASSINA
No dia 10 de outubro, enquanto as autoridades
“apertavam” Miguel para ele dar conta do assassinato, no Senado Federal, para
onde seguiu o corpo de João Suassuna, ocorreram várias homenagens.
O ex-governador potiguar, então senador, José
Augusto Bezerra de Medeiros, proferiu um interessante discurso sobre a vida do
falecido político paraibano. Houve uma missa de corpo presente, várias
autoridades estiveram no velório e foram colocadas muitas coroas de flores.
João Suassuna foi enterrado no tumulo número 611, no cemitério São João
Batista, em Botafogo. Mas nem sua mulher e nenhum de seus nove filhos estiveram
presentes!
Enquanto isso na delegacia, Miguel Alves de
Souza confessou que recebeu o apoio de outro paraibano chamado Antônio
Granjeiro. Este era carteiro dos Correios e Telégrafos no Rio, lhe forneceu as
armas e apoiou na sua fuga. Granjeiro foi logo preso.
Os dois comparsas entregaram então Otcacílio
de Lucena Montenegro, um funcionário do Tribunal de Contas, como a pessoa que
procurou Granjeiro, lhe deu o dinheiro para a compra das armas do crime e a
ordem para procurar alguém disposto a apertar o gatilho.
E quem era Octacílio de Lucena Montenegro?
Na mesma entrevista concedida ao jornalista
Ricardo Farias, do jornal paraibano “A União”, em fevereiro de 2013, Ariano
Suassuna comentou que foi Octacílio quem intermediou junto a Granjeiro o
assassinato de seu pai e que Octacílio era sobrinho do então coronel do
Exército Aristarco Pessoa, irmão de João Pessoa.
Demorou mais alguns dias para prenderem
Octacílio, mas ele foi finalmente detido na Tijuca. Para dirimir dúvidas, o
investigador Silvio Terra fez uma acareação na 2ª Delegacia Auxiliar entre
Octacílio, Granjeiro e Miguel Alves e para o policial ficou patente a
participação de Octacílio. Mas este negou peremptoriamente sua participação.
Para os policiais Antônio Granjeiro, homem
pobre e com numerosa família (tinha onze filhos), era considerado “doentio e
muito sugestionável” e as preleções de Octacílio, que entre outras coisas dizia
“-Será que não existe um paraibano que seja capaz de vingar a morte de João
Pessoa?” surtiram efeito desejado. Granjeiro foi atrás de Miguel e o crime
ocorreu.
Entre outras acusações Granjeiro foi apontado
como o homem que seguiu João Suassuna, conheceu sua rotina, comprou as duas
armas usadas no crime e chegou a enviá-las para um armeiro quando foram
detectadas defeitos nelas. Foi ele quem adquiriu a munição e no dia 7 de
outubro, dois dias antes do crime, foi com Miguel Alves praticar tiro ao alvo
nas margens da hoje superpovoada lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Jóquei
Clube do Rio.
Os três acusados, entre estes um carteiro e
um tratador de animais, foram defendidos pelo ninguém menos que advogado Clóvis
Dunshee de Abranches, considerado um dos maiores criminalistas do Brasil na
época e famoso pelo rumoroso caso Sylvia Seraphin Thibau.
Mas nesta época nem foi tão necessário a
participação de um jurista tão renomado para defender estes homens, pois logo
os revolucionários chegaram ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e
assumiram o poder. No vácuo institucional, em meio às alegrias da vitória, os
três homens responsáveis pela morte de João Suassuna foram soltos.
EM BUSCA DE JUSTIÇA
Foi Rita Suassuna que não deixou a morte de
seu marido cair no esquecimento.
Tempos depois ela enviou uma carta
extremamente intensa e emocionada ao então Presidente Getúlio Vargas e este
mandou reabrir o caso. Em pouco tempo a morte de João Suassuna voltou às
páginas dos periódicos cariocas.
Foram decretadas as prisões de Antônio
Granjeiro e Miguel Alves. O primeiro foi preso em casa, no Rio. O segundo foi
capturado na Paraíba e recambiado de navio para a Capital Federal.
Já os autos do processo simplesmente haviam
sumido. Para completar o quadro os jornais noticiaram que novos depoimentos
alteraram a situação de Octacílio de Lucena Montenegro e ele sequer prestou
mais algum depoimento.
O promotor Francisco Belizário Velloso
Rabello se preparou para o julgamento acusando os réus de “assassinato
premeditado e sem direito a defesa”. Apoiando a promotoria, a pedido de Rita
Suassuna, estava o advogado e ex-senador paraibano José Gaudêncio.
Já o advogado Clóvis Dunshee de Abranches
apresentou em favor dos réus a alegação que o crime por eles cometido “ocorreu
em um período de intensa perturbação política devido à morte de João Pessoa” e
isso gerou nos assassinos de João Suassuna “uma forte perturbação dos sentidos
e da inteligência”.
Visando reforçar a defesa, o advogado Dunshee
de Abranches conseguiu do “Centro Paraybano” no Rio de Janeiro, entidade de
apoio aos paraibanos que viviam na Capital Federal, mas também servia de local
de encontros políticos, uma carta em defesa dos réus. Produzida por Arthur
Victor, presidente da instituição, a carta é uma longa peça acusatória contra
João Suassuna, que mostra bem os processos da política radical daqueles tempos.
Entre outras coisas está descrito que Irineu
José do Nascimento, padrasto de Miguel Alves, e um 1º sargento reformado da
polícia paraibana, havia sido fuzilado “por ordem de João Suassuna”, deixando
sua mãe e três irmãos no desamparo. Sua família foi obrigada a fugir para
Pernambuco, onde sofreram “sérias perseguições” por parte de Estácio Coimbra,
então governador daquele estado.
Já Antônio Granjeiro nasceu em 1888, chegou
ao Rio em 1912, entrou nos Correios e Telégrafos e foi transferido para
Diamantina (MG). Depois de retornar para o Rio começou a participar das
atividades do “Centro Paraybano” e na época que iniciou os movimentos políticos
contra o governo Washington Luís, o destemido Granjeiro era uma espécie de
segurança e forte entusiasta pela causa liberal.
A carta do presidente do “Centro Paraybano”
menciona um episódio envolvendo Granjeiro, na época que o corpo de João Pessoa
chegou para ser enterrado ao Rio de Janeiro. Quando da passagem do féretro por
uma grande avenida, em meio à multidão, o carteiro gritou a pleno pulmões um
“De joelhos!” e docilmente se ajoelhou diante do caixão do governador
assassinado e seu gesto seguido por muitos presentes. Aparentemente isso o
tornou uma figura de destaque do “Centro Paraybano”.
O julgamento começou ao meio dia de uma
quarta feira, 18 de novembro de 1931, sob a presidência do juiz Nelson Hungria.
O corpo de jurados era formado por sete homens e, apesar da atenção que aquele
júri despertava entre os cariocas, tudo ocorreu de forma rápida e os dois réus
foram absolvidos por 5 a 2 e a promotoria recorreu.
NOVO
JULGAMENTO
Em 8 de janeiro de 1933 houve um novo
julgamento, desta vez sendo presidido pelo juiz Antônio Eugênio Magarinos
Torres, tendo como promotor Rufino de Loy e novamente a frente da defesa o
competente Clóvis Dunshee de Abranches. Percebemos que, tal como o julgamento
ocorrido em 1931, este segundo embate jurídico atraiu a atenção dos cariocas,
sendo francamente noticiado na imprensa local.
O promotor Rufino fez uma longa acusação. Já
o advogado de defesa, com enorme desenvoltura, busca destruir todos os
argumentos da promotoria. Mostrou com extrema eloquência a sofrida história de
vida dos réus, apontando-os como “nordestinos pobres”. Trás para o tribunal o
clima de revolta e instabilidade política de outubro de 1930, torna a ler a
carta do “Centro Paraybano” e coloca os réus fora da classe dos “criminosos
vulgares”. Cita vários juristas, psiquiatras e médicos para explicar como as
emoções políticas tinha haver com o assassinato de João Suassuna. Ele relembrou
a epopeia dos “18 do Forte”, fazendo uma relação deste caso para justificar o
clima emocional dos réus diante da morte de João Pessoa.
O advogado Dunshee de Abranches fez até mesmo
considerações para o crime de regicídio. Em determinada hora, como era praxe no
tribunal no Rio, houve a parada para o “chá”.
Depois do retorno e finalização dos debates,
os jurados se recolheram para decidir o futuro dos réus. Em 30 minutos
trouxeram para o juiz Magarinos Torres o “Veredictum”, condenando Miguel Aves
de Souza há seis anos e Antônio Granjeiro a quatro anos de detenção.
O julgamento teve outros desdobramentos. A
família Pessoa, através do filho de João Pessoa, o jornalista Epitácio Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque, abriu fogo com suas baterias jurídicas, processando
o promotor Rufino de Loy. Entre outras coisas consideradas um acinte pela
família e ditas pelo promotor na tribuna, estava que os réus “eram conhecidos
da família Pessoa”. Não sei o resultado deste processo.
A
TROCA
Evidentemente que para Rita Suassuna o
resultado do julgamento foi decepcionante, uma verdadeira lástima. Mas o pior
foi a viúva de João Suassuna saber que Antônio Granjeiro passou pouco mais de
um ano na cadeia e ainda conseguiu que os seus “serviços” pela causa liberal
fossem “plenamente recompensados” com a sua liberdade. Mesmo condenado no
tribunal, este verdadeiro “alpinista político”, que queria ascensão com o
sangue alheio, foi reincorporado aos Correios e Telégrafos em junho de 1934 e
voltou a sua primitiva função de carteiro no Rio de Janeiro.
Já o assassino Miguel Alves de Souza se
perdeu no “oco do mundo”!
Na época a família Pessoa foi muito eficaz em
criar em torno da morte de João Pessoa, toda uma condição de perpetuação da
memória desta família na Paraíba. Começa que a atual denominação da capital
paraibana é “João Pessoa”, fato único entre as capitais estaduais brasileiras.
Depois basta fazer uma pequena pesquisa no Google e se percebe o alto número de
ruas e logradouros com nomes e sobrenomes ligados a família do governador morto
na Confeitaria Glória.
Rita Suassuna, depois de várias mudanças e
provações, levou seus filhos para a cidade de Taperoá, no sertão paraibano.
Ali, em uma região onde isso era a praxe, lutou para que seus cinco filhos
homens jamais partissem para vingar a morte do pai. Entretanto a família de João
Suassuna sempre perpetuou a memória de João Suassuna e isso se incorporou no
jovem Ariano, mesmo com tão pouca idade na ocasião da morte de seu pai.
Mesmo sem saber mensurar o quanto o peso da
morte de João Suassuna contribuiu para moldar o Ariano Suassuna escritor, eu
creio que de certa maneira ele realizou a sua “vingança” através dos seus
escritos.
Se a família Pessoa buscou se perpetuar em
nomes de ruas e logradouros na Paraíba, certamente Ariano se imortalizou na
mente e nos corações de milhões de paraibanos, nordestinos e brasileiros com as
suas obras. O autor deste trabalho acredita que por muitas décadas e séculos no
futuro, o nome e as obras de Ariano Suassuna serão obrigatórias para o
entendimento do Nordeste.
Contudo, eu tenho certeza que ele, Ariano
Vilar Suassuna, trocaria tudo o que conseguiu com as letras para ter tido a
oportunidade de ter visto seu pai conhecer seus filhos, ter acompanhado a sua
vida e estar ao lado de João Suassuna no dia de sua morte.
Fonte de pesquisa: Escritor e pesquisador,
Rostand Medeiros.
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